São Francisco de Assis

São Francisco de Assis

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Capítulo 13. Como S. Francisco e Frei Masseo puseram sobre uma pedra junto a uma fonte o pão que haviam mendigado, e S. Francisco muito louvou a pobreza. Depois rogou a Deus e a S. Pedro e a S. Paulo que lhes dessem o amor da santa pobreza; e como lhes apareceram S. Pedro e S. Paulo.




O maravilhoso servo e seguidor de Cristo, isto é, monsior S.
Francisco, para se conformar perfeitamente com Cristo em todas as
coisas, o qual, segundo o que diz o Evangelho, mandou os
discípulos dois a dois a todas aquelas cidades e regiões aonde
devia ir; depois que, a exemplo de Cristo, reunira doze
companheiros, os enviou pelo mundo a pregar dois a dois.

E, para lhes dar o exemplo de verdadeira obediência, começou ele
primeiramente a ir a exemplo de Cristo, o qual começou
primeiramente a fazer do que a ensinar.

Pelo que, tendo designado aos companheiros as outras partes do
mundo, ele, tomando Frei Masseo por seu companheiro, seguiu para
a província da França.

E chegando um dia, com muita fome, a uma cidade, andaram,
segundo a Regra, mendigando pão pelo amor de Deus; e S.
Francisco foi por uma parte e Frei Masseo por outra. Mas, por ser S.
Francisco um homem muito desprezível e pequeno de corpo e por
isso reputado um vil pobrezinho por quem não o conhecia, só
recolheu algumas côdeas e pedacinhos de pão seco.

Mas a Frei Masseo, pelo fato de ser um homem alto e cheio de
corpo, deram muitos e bons pedaços grandes e pães inteiros.
Acabada a mendigação, reuniram-se fora da cidade para comer em
um lugar onde havia uma bela fonte e junto uma bela pedra larga,
sobre a qual cada um colocou as esmolas recebidas. E, vendo S.
Francisco que os pedaços de Frei Masseo eram em maior número e
mais belos e maiores que os dele, mostrou grande alegria e disse
assim: "Ô Frei Masseo, não somos dignos deste grande tesouro".

E, repetindo estas palavras várias vezes, respondeu-lhe Frei
Masseo: "Pai, como se pode chamar tesouro, onde há tanta pobreza
e falta de coisas que necessitamos? Aqui não há toalha, nem faca,
nem garfo, nem prato, nem casa, nem mesa, nem criada, nem criado".

Então disse S. Francisco: "Isto é o que considero grande tesouro,
porque não há coisa nenhuma feita pela indústria humana; mas o
que aqui existe é feito pela Providência divina, como se vê
manifestamente pelo pão mendigado, pela mesa de pedra tão bela e
pela fonte tão clara: por isso quero que peçamos a Deus que o
tesouro da santa pobreza tão nobre, o qual tem Deus para servir,
seja amado de todo o coração".

E ditas estas palavras e rezada a oração e tomada a refeição
corporal com aqueles pedaços de pão e aquela água, levantaram-se
para ir à França, e, encontrando uma igreja, disse S. Francisco ao
companheiro: "Entremos nesta igreja para orar". E S. Francisco se
pôs em oração atrás do altar: e nesta oração recebeu da divina visita
tão excessivo fervor, que inflamou tão fortemente sua alma no amor
da santa pobreza que, pela cor da face como pela boca
excessivamente aberta, parecia lançar chamas de amor.

E vindo assim como abrasado ao companheiro, disse-lhe: "A. A. A.,
Frei Masseo, entrega-te a mim". Assim disse três vezes; e na terceira
vez S. Francisco com o hálito levantou Frei Masseo no ar, e o lançou
diante de si à distância de uma comprida lança; de que Frei Masseo
teve grandíssimo espanto, e depois contou aos companheiros que
naquela impulsão e suspensão, que lhe deu S. Francisco com o
hálito, sentiu tal doçura na alma e consolação do Espírito Santo
como nunca em sua vida sentira tanta.

E feito isto disse S. Francisco: "Companheiro caríssimo, vamos a S.
Pedro e S. Paulo, e roguemo-lhes que nos ensinem e nos ajudem a
possuir o desmesurado tesouro da santíssima pobreza; porque ela é
tesouro tão digníssimo e tão divino que não somos dignos de
possui-lo em nossos vilíssimos vasos; atendendo que ela é a virtude
celeste, pela qual todas as coisas terrenas e transitórias são
calcadas aos pés e pela qual todo obstáculo se afasta diante da
alma, a fim de que ela se possa livremente unir com o Deus eterno.

E ela esta virtude, a qual faz a alma presa à terra conversar no céu
com os anjos.

Esta é aquela que acompanhou Cristo na cruz; com Cristo foi
sepultada, com Cristo ressuscitou, com Cristo subiu ao céu, e a qual, e ainda nesta vida, concede às almas, que dela se enamoram,
agilidade para voar ao céu; para o que ela ainda guarda as armas da
verdadeira humildade e da caridade.

E por isso roguemos aos santíssimos apóstolos de Cristo, os quais
foram perfeitos amadores desta pérola evangélica, que nos
mendiguem esta graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, que pela sua
santíssima misericórdia nos conceda o merecimento de sermos
verdadeiros amadores, observadores e humildes discípulos da
preciosíssima, amantíssima e evangélica pobreza".

E com este falar chegaram a Roma e entraram na igreja "de S. Pedro;
e S. Francisco se pôs a orar em um canto da igreja, e Frei Masseo
em outro; e conservando-se muito tempo em oração com muitas
lágrimas e devoção, apareceram a S. Francisco os santíssimos
apóstolos Pedro e Paulo com grande esplendor e disseram: "Pois
que pedes e desejas observar aquilo que Cristo e os santos
apóstolos observaram, Nosso Senhor Jesus Cristo nos envia a ti
para anunciar-te que tua oração foi escutada e te foi concedido por
Deus, a ti e a teus seguidores, perfeitissimamente o tesouro da
santíssima pobreza.

E ainda de sua parte te dizemos que a todo aquele que a teu
exemplo seguir perfeitamente este desejo está assegurada a
beatitude da vida eterna; e tu e todos os teus discípulos sereis por
Deus abençoados".

E, ditas estas palavras, desapareceram, deixando S. Francisco cheio
de consolação. O qual se levantou da oração e voltou ao
companheiro e perguntou-lhe se Deus lhe havia revelado alguma
coisa; e ele respondeu que não.

Então S. Francisco lhe disse como os santos apóstolos lhe haviam
aparecido, e o que tinham revelado. Do que, cada um cheio de
letícia, determinaram volver ao vale de Espoleto, deixando de ir à
França.



Em louvor de Cristo. Amém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário