São Francisco de Assis

São Francisco de Assis

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Capítulo 8. Como a caminhar expôs S. Francisco a Frei Leão as coisas que constituem a perfeita alegria.



Vindo uma vez S. Francisco de Perusa para S. Maria dos Anjos com
Frei leão em tempo de inverno, e como o grandíssimo frio
fortemente o atormentasse, chamou Frei Leão, o qual ia mais à
frente, e disse assim: "Irmão Leão, ainda que o frade menor desse
na terra inteira grande exemplo de santidade e de boa edificação,
escreve todavia, e nota diligentemente que nisso não está a perfeita
alegria".

E andando um pouco mais, chama pela segunda vez: "`S irmão
Leão, ainda que o frade menor desse vista aos cegos, curasse os
paralíticos, expulsasse os demônios, fizesse surdos ouvirem e
andarem coxos, falarem mudos, e mais ainda, ressuscitasse mortos
de quatro dias, escreve que nisso não está a perfeita alegria". E
andando um pouco, S. Francisco gritou com força: "Ó irmão Leão,
se o frade menor soubesse todas as línguas e todas as ciências e
todas as escrituras e se soubesse profetizar e revelar não só as
coisas futuras, mas até mesmo os segredos das consciências e dos
espíritos, escreve que não está nisso a perfeita alegria".

Andando um pouco além, S. Francisco chama ainda com força: "Õ
irmão Leão, ovelhinha de Deus, ainda que o frade menor falasse com
língua de anjo e soubesse o curso das estrelas e as virtudes das
ervas; e lhe fossem revelados todos os tesouros da terra e
conhecesse as virtudes dos pássaros e dos peixes e de todos os
animais e dos homens e das árvores e das pedras e das raízes e das
águas, escreve que não está nisso a perfeita alegria".

E caminhando um pouco, S. Francisco chamou em alta voz: "Ô
irmão Leão, ainda que o frade menor soubesse pregar tão bem que
convertesse todos os infiéis à fé cristã, escreve que não está nisso a
perfeita alegria".

E durando este modo de falar pelo espaço de duas milhas, Frei Leão,
com grande admiração, perguntou-lhe e disse: "Pai, peço-te, da
parte de Deus, que me digas onde está a perfeita alegria". E S.
Francisco assim lhe respondeu: "Quando chegarmos a S. Maria dos
Anjos, inteiramente molhados pela chuva e transidos de frio, cheios
de lama e aflitos de fome, e batermos à porta do convento' e o porteiro chegar irritado e disser: 'Quem são vocês?'; e nós
dissermos: "'Somos dois dos vossos irmãos', e ele disser: 'Não
dizem a verdade; são dois vagabundos que andam enganando o
mundo e roubando as esmolas dos pobres; fora daqui'; e não nos
abrir e deixar-nos estar ao tempo, à neve e à chuva com frio e fome
até à noite: então, se suportarmos tal injúria e tal crueldade, tantos
maus tratos, prazenteiramente, sem nos perturbarmos e sem
murmurarmos contra ele e pensarmos humildemente e
caritativamente que o porteiro verdadeiramente nos tinha
reconhecido e que Deus o fez falar contra nós: ó irmão Leão,
escreve que nisso está a perfeita alegria.

E se perseverarmos a bater, e ele sair furioso e como a importunos
malandros nos expulsar com vilanias e bofetadas dizendo: 'Fora
daqui, ladrõezinhos vis, vão para o hospital, porque aqui ninguém
lhes dará comida nem cama'; se suportarmos isso pacientemente e
com alegria e de bom coração, ó irmão Leão, escreve que nisso está
a perfeita alegria. E se ainda, constrangidos pela fome e pelo frio e
pela noite, batermos mais e chamarmos e pedirmos pelo amor de
Deus com muitas lágrimas que nos abra a porta e nos deixe entrar, e
se ele mais escandalizado disser: 'Vagabundos importunos, pagar-lhes-
ei como merecem': e sair com um bastão nodoso e nos agarrar
pelo capuz e nos atirar ao chão e nos arrastar pela neve e nos bater
com o pau de nó em nó: se nós suportarmos todas estas coisas
pacientemente e com alegria, pensando nos sofrimentos de Cristo
bendito, as quais devemos suportar por seu amor; ó irmão Leão,
escreve que aí e nisso está a perfeita alegria, e ouve, pois, a
conclusão, irmão Leão.

Acima de todas as graças e de todos os dons do Espírito Santo, os
quais Cristo concede aos amigos, está o de vencer-se a si mesmo, e
voluntariamente pelo amor suportar trabalhos, injúrias, opróbrios e
desprezos, porque de todos os outros dons de Deus não nos
podemos gloriar por não serem nossos, mas de Deus, do que diz o
Apóstolo: 'Que tens tu que o não hajas recebido de Deus? E se dele
o recebeste, por que te gloriares como se o tivesses de ti?' Mas na
cruz da tribulação de cada aflição nós nos podemos gloriar, porque
isso é nosso e assim diz o Apóstolo: "Não me quero gloriar, senão
na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo"'.


Ao qual sejam dadas honra e glória in secula seculorum.
Amém.

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